1. |
Continuamente
02:44
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O meu carro cheio de riscos
A minha vespa cheia de mossas
O meu corpo cheio de marcas
As cicatrizes todas.
O que mais possuímos lembra-nos
Como estamos sempre definhando
Como nada se mantém puro
Como a perfeição é um momento
Irrelevante
Nada é novo senão por
Um instante.
Tudo é uma
fragilidade contínua
A todas horas
Somos recordados
Da impossibilidade de iludirmos
A passagem do tempo.
E para quê?
Se estamos morrendo
Para que queremos a perfeição,
De que nos serve a novidade?
Melhor morrermos cheios de vida
De riscos, de mossas, de marcas,
De cicatrizes
De provas silenciosas de que
Somos caminho, direcção,
Acaso e alento
Somos
Uma colecção de diversões
Uma biografia inevitável
De metal e de carne,
Provando que não esperámos a morte
Quietos
Não provámos o tempo
Timidamente.
Arriscamos e cicatrizamos
Continuamente.
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2. |
Caixotes a arder
03:10
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Há pessoas a correr para as ruas
Há pessoas a gritar “isto assim não pode ser”
E há caixotes a arder, caixotes a arder
Há montras partidas partidas,
Pessoas a sangrar
Há quem diga “daqui não saio, daqui não saio”
Nem que me arrastem pelo chão
E há caixotes a arder, caixotes a arder
Mas isso não é cá, é na TV
Cá estamos todos bem
Passamos todos mal,
Mas estamos todos bem
Estamos de mão estendida
Mas está tudo bem
Vamos estando cá, no cá se vai andando
Desde que pareça tudo bem
Nunca há de haver, caixotes a arder
Nunca há de haver cá!
Caixotes a arder
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3. |
Dizem, dizem
03:34
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Dizem que tenho os olhos
raiados de sangue
A língua com aftas
e a boca gretada
Dizem que já nasci velho
E mal me mexo
Que mal me encosto
Logo adormeço
Dizem que falo pouco
E não olho nos olhos
Eu encolho os ombros
E fico calado
Dizem que sou perverso
E nasci no Inverno
Eu digo-lhes que sou ateu
Não acredito no inferno
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4. |
Sofá
03:50
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É a quarta, a quinta, a sexta vez
que me dizes para ir lá fora outra vez
A quarta, a quinta, a sexta vez
que me dizes que eu não passo de uma má rês
Fico bem por cá
Fico bem no sofá
Fico bem por cá
Fico bem no sofá
É a quarta, a quinta, a sexta vez
que me dizes para ir lá fora outra vez
A quarta, a quinta, a sexta vez
que me dizes que eu não passo de uma má rês
Fico bem por cá
Fico bem no sofá
Fico bem por cá
Fico bem no sofá
Não sou de planos
ou de rectas
Impecavelmente desenhadas
Sou desalinho
e de contra-planos
Para mim, por ti
O amor é multiplicado.
Fico bem por cá
Fico bem no sofá
Fico bem por cá
Fico bem no sofá
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5. |
Se souberes
02:54
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Pensa numa daquelas pessoas
que falam demais
e perto demais
e alto demais
Pensa no que te dizem
e depois percebes
que nada tens acrescentar
Pensa no teu dia-a-dia
e elabora uma reflexão
e uma introspecção
e uma dissertação
Pensa na conclusão
e depois percebes que não tens nada a acrescentar
se souberes o que eu penso
e imaginares o que eu sinto
e sonhares o que eu faço
vais ficar desiludido
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6. |
54
04:15
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A torneira não para
toda a noite
Naquele gotejar ternário
De um, dois, três
Porra de compasso
Os canos ferrugentos a chiar
O meu dorme-não-dorme
Em cristais de sais
Que ora estalagmites
Ora estalactites
A janela que não fecha e dança
Entre a calha e a madeira do soalho
E bate
O frigorífico que de meia em meia hora
Acciona um mecanismo estranhíssimo
Que o faz vibrar por toda a casa
E eu tenho frio
O chão que geme e chia
Como se alguém por ele caminhasse
Aos apalpões no escuro
As portas que entreabrem
Deixando a casa respingar
Não vejo e durmo
Não vejo e sonho
Que danças na água
Danças como se saltasses no rio
A entrada da água tem muito impacto
Quando abres os braços para o mundo
(Quero ver a água a borbulhar,
eu quero muito splash!!)
E ao lado ronca-se
Um nariz eléctrico
Respira frenético
A vizinha de cima
Não escolhe as horas para rezar
Alguém lhe diga que o pecado a pode
Humanizar?
O cão que ladra rouco
Anunciando o vulto que desce pela rua
Espiolhando o lixo alheio
O motor do primeiro autocarro
Fugindo da madrugada a aparecer
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7. |
Maria Antoinette
03:21
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Maria Antoinette
Digo adeus às coisas
que desejei
e às que amei pelo simples
facto de existirem
de todas fui
no dia em que as toquei
em que me tocaram
nada existe agora
a não ser o que foi esquecido
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8. |
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Não acordo de manhã
Sem me queixar
Das costas e do ar
Ainda agora me deitei
E já são oito da manhã
Há desejos que queimam em cal viva
Há dores que surgem do espaço
Há risos que espantam os dias
E choros que enlouquecem as noites
Não acordo de manhã
Sem me queixar das costas e dor ar
Ainda agora me deitei
E já são oito da manhã
Há pensamentos que bloqueiam a aorta
E fazem parar o miocárdio
Há moradas que não se esquecem
E lugares que nunca aquecem
Amanhã já não acordas de manhã
Na cama que fizeste com afã
Vais embora sem despedidas
Entre as chegadas e as partidas
Sem promessas de até já
Ou até à volta para cá
Como podes adormecer sem
Orares a deus
E odiares dizer adeus?
Não dormi nada a noite inteira
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9. |
Luz violenta
03:19
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O sonho evapora aos primeiros raios de sol
Em espasmos violentos como um peito aberto
Soçobrando à corrupção do veludo
E o grito rápido e seco escapado por entre os dentes
As gotículas de suor escorrendo através dos poros
Sabendo-se espessas, salgadas e turvas
Descendo da testa ao queixo
Saltando pelos olhos
Remoendo o sono, digerindo o sonho em gemidos...
A noite que passa a dia numa questão de luz
Num acordo resignado pela partilha de uma cruz
E o sonho que permite a vigília vigiar-nos a sombra
De um inominável medo e o receio
Do acordado... bloqueio
Num minuto
Por um minuto
Só num minuto
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10. |
Até Já
03:30
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Como vamos de um momento para o outro
suportando o meio termo?
Eu defendo o desejo, o desejo conhecido,
O desejo que se conhece por dentro
Estas são as mãos que conheces
Como sendo as mãos que recolhem
E contraem e retraem
E ficam nos bolsos
Estas são as mãos
Estas são as mãos
Estes são os dedos
São as mãos
Estas são as mãos
As mãos, as mãos
Se disseres até já,
Se disseres até já
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